Por Ana Luisa Amorim*
Após a discussão sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em uma aula no curso de Pedagogia, uma estudante fez a seguinte pergunta: “Professora, porque as pessoas são contra a BNCC?”. Antes mesmo que pudesse responder, um estudante retrucou a colega dizendo que a pergunta não era “muito válida”, pois era generalista e, para ele, a maioria das pessoas eram favoráveis à Base e não contrárias. Outra estudante concordou com a pergunta da colega e acrescentou: “Eu também não entendo, por que as pessoas são contra, se a BNCC permite que o currículo seja igual em todas as escolas do país?”. E, fechando a rodada inicial de perguntas e comentários, uma quarta estudante afirmou que tinha a mesma dúvida das colegas e acrescentou que não via a Base se efetivando no contexto da prática, pois quase não ouvia falar desse documento nas escolas onde atua como estagiária.
Na busca de responder às questões e problematizar os argumentos divergentes, faz-se necessário esclarecer que há muitas nuances envolvidas nas questões apontadas pelas/pelo estudante. O primeiro aspecto a se destacar é que ao se falar de currículo está se falando de um artefato social e cultural que está relacionado em complexas relações de poder, como nos ensinaram os estudiosos da área no Brasil Tomaz Tadeu da Silva e Antonio Flavio Moreira. Assim, falar de currículo é falar de um território em disputa. Nesse sentido, para entender a BNCC é preciso compreender a partir de qual perspectiva se está olhando para essa política curricular.
Buscando resumir as várias perspectivas, de forma didática, é possível afirmar que a BNCC é um documento que disputa narrativas no contexto político e educacional brasileiro. E há grupos favoráveis e grupos contrários à sua aprovação e implementação até hoje. No entanto, compreender as posições é muito mais complexo do que pode parecer. Isso porque, os motivos apresentados para a defesa do documento, por alguns, são os mesmos que causam a discordância de outros. E, entre aqueles que são favoráveis, há argumentos de defesa totalmente diferentes. O mesmo ocorrendo no grupo dos que são contrários à BNCC.
Trazendo as próprias falas do(as) estudantes para a reflexão, não se pode afirmar que a maioria das pessoas é contrária à BNCC, até porque não há dados que comprovem essa hipótese; e, talvez, seja possível até afirmar que há mais pessoas favoráveis do que contrárias. E, para comentar o contraponto do estudante à pergunta da colega, faz-se necessário ressaltar que não se pode invalidar uma narrativa sobre a Base apenas porque se defende uma narrativa diferente.
No que se refere à terceira questão, complementada pela fala da quarta estudante, a narrativa de que a BNCC permite um currículo único para todas as escolas brasileiras, ganhou força por apontar para a garantia de que todos teriam acesso a um currículo mínimo que garantiria o acesso aos conhecimentos para todos. No entanto, no campo teórico, as ideias de currículo mínimo e de currículo único são problematizadas desde meados dos anos de 1990. As análises indicam que, na prática, a implementação de políticas dessa natureza, em vez de contribuir com a justiça curricular de acesso aos conhecimentos, acaba por reforçar um modelo dual de educação para o país, ou seja, um modelo de escola para os filhos da elite e outro modelo para os filhos da classe trabalhadora.
Por fim, nunca é demais lembrar para os/as estudantes com menos de 20 anos que as coisas não são tão simples de serem respondidas e explicadas como eles(as) esperam. A cada aula me convenço de que temos um longo caminho pela frente, pois está cada vez mais difícil ensinar em um contexto complexo e no qual as pessoas acham que terão respostas prontas, curtas e rápidas para as suas perguntas e, de preferência, sem que precisem “gastar tempo” lendo, refletindo e, principalmente, pensando.
– Ana Luísa Amorim é educadora, professora da Universidade Federal da Paraíba.