Há alguns dias, um amigo perguntou sobre o papel das UTOPIAS. Então, para tentar responder a essa questão, resolvemos elaborar este texto, cujo objetivo é abordar a concepção de três termos que se relacionam e que são sempre importantes para a compreensão da evolução das sociedades do ponto de vista das ideias. Esses termos são UTOPIA, DISTOPIA e RETROTOPIA.
Esses termos estão sempre relacionados com o clima de satisfação ou insatisfação de uma sociedade em determinado momento. Assim, seguimos no propósito do texto com a abordagem do primeiro termo, a saber, a UTOPIA.
No cotidiano, o “Senso Comum” nos traz uma concepção de UTOPIA, como um sonho, uma ilusão, uma fábula, uma quimera, um devaneio, enfim, algo que existe apenas na mente como ideia, mas que é irrealizável. Desta maneira, entende-se UTOPIA no “Senso Comum” como algo que parece inalcançável. Entretanto, se olharmos a UTOPIA através da perspectiva do “Bom Senso”, perceberemos uma nova possibilidade para o termo.
Etmologicamente, a palavra UTOPIA vem do grego, “ou” significa não, “topos” significa lugar, portanto não-lugar ou lugar que não existe. Mas, a UTOPIA assume uma expressão de “modelo ideal” a partir do século XVI com o escritor inglês Thomas More (1478-1535) com a publicação do livro de mesmo nome “A Utopia”. Essa obra traz a ideia de uma sociedade imaginária que seria perfeita, e depois de sua publicação, o termo UTOPIA passou a ser usado para revelar as aspirações de uma sociedade no intuito de buscar suas melhorias e aperfeiçoamento através de novas ideias que pudessem satisfazer as aspirações dos membros desta sociedade, e que, naquele momento não estavam sendo atendidas. Portanto, UTOPIA é sempre uma ideia nova no horizonte, sempre mais justa e melhor se comparada com o que se tem na realidade social no momento em que foi pensada. A UTOPIA parte da realidade, ou seja, do que temos no momento presente, e se este momento não atende aos anseios da sociedade, ou ainda, sempre que o mundo real encontra-se em decadência, novas ideias são utopicamente projetadas como um mundo ideal, mais justo e satisfatório. E, se houver condições sociais favoráveis e apoio político suficiente, essas ideias podem ser implementadas quando esse futuro se fizer presente. Portanto, a UTOPIA não é apenas uma ideia provável, pensável, mas possível de se concretizar e trazer benefícios a todos que compõem a sociedade.
No “Bom Senso” a UTOPIA é sempre entendida como a visualização de coisas boas, melhores, progresso e benefícios sociais. Há alguns dias, recebemos um vídeo através do qual Eduardo Galeano cita um poema de Fernando Birri que aborda a UTOPIA de um ponto de vista muito interessante. Assim, diz o poema: “A Utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a Utopia, então? Serve para isso: “Para que eu não deixe de caminhar”. E, essa é a perspectiva, ou seja, que não paremos de caminhar porque é na caminhada, no movimento que as coisas acontecem, é onde as ideias se tornam realidade. Um ótimo exemplo de UTOPIA foi o sonho de igualdade que o ativista negro Martin Luther King (1919-1968) teve. Em seu discurso “I have a dream”, dizia ele: “Eu tenho um sonho que minhas quatro crianças pequenas viverão um dia, em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje!”. Esta foi uma UTOPIA. Assim, as passeatas e os discursos do norte americano fizeram com que o então Presidente dos Estados Unidos, Lyndon Johnson assinasse em 1964 a Lei dos Direitos Civis, que puseram fim à segregação racial nos Estados Unidos.
O segundo termo que trazemos ao texto é a DISTOPIA. Assim como a UTOPIA, a DISTOPIA também é fruto da fomentação da discussão acerca da realidade. Enquanto a primeira apresenta a ideia de uma sociedade ideal, imaginária, perfeita, a DISTOPIA ou antiutopia apresenta a antítese da UTOPIA, apresentando uma visão negativa do futuro, sendo geralmente caracterizada pelo totalitarismo, autoritarismo e controle opressivo da sociedade. Dessa maneira, a DISTOPIA é um tipo de UTOPIA negativa, ou melhor dizendo, uma UTOPIA pelo avesso. Enquanto a UTOPIA está relacionada à ideia de melhoria, de justiça, de algo que virá para melhorar, a DISTOPIA é o contrário, sempre é pensada no sentido de projetar utopicamente o mal. No século XX tivemos dois exemplos de DISTOPIA, dois momentos cruéis e violentos para a humanidades lembrar, um deles foi o nazismo e o outro foi o fascismo.
A DISTOPIA é também representada pelo gênero literário para descrever criações ficcionais, nas quais é retratado o futuro de maneira negativa. Nessas DISTOPIAS ficcionais, a perspectiva de um mundo melhor não é possível, pelo contrário, as características negativas da realidade são reforçadas e apresentam sempre um aspecto pessimista. Um exemplo bastante famoso de DISTOPIA ficcional é a obra de Aldous Huxley (1932), “Admirável Mundo Novo”. Este romance distópico narra um hipotético futuro onde os indivíduos são precondicionados biologicamente em laboratório e vivem numa sociedade organizada por castas, sob um regime autoritário e sem perspectiva de um cenário melhor.
O último dos termos, é RETROTOPIA. Bem, após a falência das UTOPIAS do século XX, especialmente com o fim da guerra fria e a desagregação da União Soviética, o mundo se tornou mais vazio de ideologias políticas. Os grandes projetos de novas sociedades se perderam e a força da sociedade não é mais voltada para um objetivo comum. Com isso, Zygmund Bauman (1925-2017) acredita que vivemos o fim das UTOPIAS e então, cria o termo RETROTOPIA. Para Bauman a sociedade perdeu a noção de progresso como um bem que deve ser partilhado. Desta maneira, busca-se o prazer individual dentro da sociedade como principal objetivo de vida.
Nos últimos anos, a humanidade enfrenta várias desafios como desencanto com a política, a corrupção, o terrorismo, a precariedade do emprego, fake news, o aquecimento global e tudo isso gera dúvida em relação ao futuro. E neste contexto, Bauman entende que é criado um ambiente no qual a esperança no futuro seja perdida e faz com que busquemos a UTOPIA no passado e assim, ele criou o termo RETROTOPIA para explicar esse fenômeno, ou seja, na falta de novas UTOPIAS , volta-se ao passado buscando as velhas UTOPIAS para ressignificá-las e projetá- las no futuro. Portanto, sempre que estivermos passando por um momento que exige um esforço para reflexão e criação de novas UTOPIAS ou na falta dessas, devemos buscar as RETROTOPIAS no passado para oxigenar as ideias e sairmos dessa DISTOPIA no presente.
Marcos Nascimento – Mestre em Filosofia