Por Marcos Nascimento
Costumo dizer que a “vida” é “travessia” no sentido de que a vida não seja antônimo de morte, mas, sim, o movimento espaço temporal que o sujeito ocupa entre o nascimento e a morte, e entendo nascer e morrer como dois momentos que necessariamente estão separados pela vida que, como disse, chamo de travessia. E, nesse contexto, escuto muitas pessoas expressarem a ideia de que a vida é curta. Entretanto, se fizermos um exercício mental e refletirmos sobre essa questão, talvez a vida não seja tão curta, mas que nós temos o poder de encurtá-la, não no sentido de que podemos diminuir o tempo, mas sim, na ideia de que podemos desperdiçá-lo. Então, a vida é curta ou longa?
Para nos subsidiar a responder esta questão, lanço mão do pensamento estóico de Lúcio Anneo SÊNECA (4 a. C. –65 d. C.), na obra intitulada “Sobre a brevidade da vida”. É interessante observar que essa pergunta contemporânea foi igualmente pensada há mais de 2000 anos com a máxima: “a vida é curta, a arte é longa”. Entretanto, Sêneca discute essa questão através de cartas dirigidas a Paulinus, nas quais, ele diz que não temos pouco tempo de vida, mas que a desperdiçamos muito.
A vida é longa suficiente para se fazer grandes realizações se o tempo for bem empregado em coisas virtuosas que possam edificar o espírito humano e criar uma memória de realizações de bons atos sobre o ser humano, a natureza e as relações entre os seres.
Portanto, a vida torna-se longa se o indivíduo sabe usá-la com sabedoria, generosidade e virtudes, mas pode encurtá-la, e assim vemos aqui um homem tomado pela ganância insaciável capaz de cegá-lo para o bem, o belo e o justo; ali, outro homem que se dedica a tarefas inúteis com excesso de bebidas, atos criminosos incentivando a mentira que leva à discórdia e estimula o ódio entre as pessoas, e ainda uns que passam a vida correndo atrás do dinheiro alheio e para isso se envolve em todo tipo de corrupção; e outros que andam perambulando desde adulto jovem sem rumo, sem perseguir um objetivo que dê sentido à vida.
Há ainda aqueles que passam o dia conectados às redes sociais como zumbis, mortos vivos, e também os que passam o dia dormindo sem nada fazer em proveito próprio para significar suas vidas. E por fim, há aqueles que se dedicam exclusivamente ao trabalho, como se isso fosse a única coisa a fazer na vida, abrindo mão do lazer, de uma viagem, de um banho de mar…etc. Sobre isso, Sêneca nos diz: “Não julgue que alguém viveu muito por causa de suas rugas e cabelos brancos: ele não viveu muito, apenas existiu por muito tempo”.
Fico imaginando, o que acusará a consciência desses que quando mais adiante olharem para o passado e sua mente não acusar um legado de bondade, de virtude, de construção para seu espírito que possam se tranquilizar para o fim da travessia. Outra questão que nos faz desperdiçar o tempo é a procrastinação. Não espere pelo amanhã porque poderá ser tarde demais. Escuto muita gente dizer, quando chegar aos 40 anos, vou fazer um curso de inglês. Por que não hoje?
Outro diz, quando chegar aos 50 anos, vou dedicar um tempo ao ócio criativo e ler mais. Por que não hoje? E outros dizem, quando chegar aos 60 anos, vou me livrar dos meus encargos.
A questão é, quem garante que haverá uma vida de 40, 50, 60 anos? Muitos morrem aos 20 ou 30 anos. Portanto, por que não se dedicar desde jovem aos projetos pessoais que dão sentido e significado à vida? Adiar as coisas é o maior desperdício da vida, porque o indivíduo troca o presente que está sob seu controle por um futuro que pertence ao destino e que ele não tem certeza que esse futuro tornar-se-a presente.
O amanhã é incerto porque a vida não é necessária, mas contingente. Trago aqui duas experiências, nas quais tive a oportunidade de conhecer dois amigos que aqui chamo de Sr X e Sr Y. O Sr X era um homem muito capaz, honesto, inteligente e muito dedicado ao trabalho e ele tomou a resolução de dedicar todo o tempo de sua vida para guardar dinheiro para uma aposentadoria segura e tranquila, mesmo que para isso, abrisse mão de qualquer outra ocupação, lazer, viagens e inclusive do ócio criativo.
Atingiu seu objetivo, entretanto por volta dos 50 anos foi acometido por uma doença grave que o imobilizou numa cadeira de rodas e depois o levou à morte. Já o Sr Y era um homem de grande sucesso profissional e financeiro e várias vezes me relatou o desejo de conhecer o Japão, pois ele admirava os hábitos e costumes japoneses. Entretanto, foi adiando a viagem até que um acidente o levou ao óbito sem realizar seu desejo. Portanto, a vida é pulsão, é ato e potência, e precisamos despertar para transformar essa potência em ato que nos força a viver o presente porque não devemos reservar a vida para quando a aposentadoria chegar.
Para concluir, Sêneca nos deixa quatro conselhos que se implementados podem nos proporcionar uma vida boa e feliz. O primeiro diz que todos sabemos que vamos morrer e por isso, não devemos desperdiçar o tempo da vida; o segundo, que as coisas não são o mais importante, VOCÊ é o ser mais importante na vida; o terceiro conselho é que não devemos esperar pelo amanhã porque poderá ser tarde demais; e o último conselho é que está ocupado não é apenas fazer algo útil através do trabalho.
Na verdade, entendo que o que Sêneca quer dizer é que não levamos as coisas materiais quando morremos, mas sim as coisas intangíveis, a sabedoria, e para isso a Filosofia nos presta um grande favor, pois segundo o estóico, “De todas as pessoas, apenas aqueles que encontram tempo livre para a Filosofia estão realmente vivas. Pois elas não apenas mantêm uma boa vigilância sobre suas vidas, mas anexam toda sabedoria das eras passadas às suas”.
Marcos Nascimento – Mestre em Filosofia.